segunda-feira, 7 de setembro de 2009

movimentos

MOVIMENTOS
Marcelo Murta Messeder




Marcelo Murta Messeder é médico e autor do texto que Ventura apresenta, cujo conteúdo tece considerações sobre a formação do adolescente, um desafio constante em nossos dias.



“A água é o mais poderoso dos elementos devido a sua não-resistência:
Não opondo resistência, pode arrebentar uma rocha , arrastando tudo o que estiver na sua frente”
(pensamento chinês)



Este curioso conceito sobre o elemento líquido nos oferece uma imagem bastante vívida do que acontece na adolescência do ser humano: capaz das mais turbulentas e possantes atitudes, tal a força da juventude, o adolescente é também um ser moldável, sugestionável e volúvel.Tal como a água, que pode ser contida em recipientes tão frágeis como frascos de cristal, sendo entretanto capaz de estourar uma sólida barreira de represamento, o adolescente reflete esta característica paradoxal de ser muito forte e muito frágil a um só tempo, colocando sua força a serviço dos mais diversos ideais.Esta qualidade plástica de sua constante mudança de alvo manifesta sua fragilidade, tanto quanto sua entrega ardorosa e incondicional ao alvo do momento expressa a sua força.
É assim que o adolescente, apaixonado e disposto (sinceramente) a morrer pela pessoa por quem está no momento enamorado, transforma-se de súbito no jovem descompromissado afetivamente, para o qual a única preocupação é a roupa que vai usar na próxima festa; dias depois está interessado num credo político; uma semana após resolve ser músico (e ai muda de instrumentos a todo instante) para meses depois participar de discussões filosóficas, religiosas e metafísicas sobre o certo e o errado, o bem e o mal e temas semelhantes.Receptivo a tudo que for “diferente”, querendo ele mesmo ficar diferente de si e dos demais, acaba por adotar um comportamento em tudo semelhante ao ídolo de música popular em voga (como todos os demais de sua faixa de idade).
Mas até ai ninguém se preocupa muito com um adolescente que apresente estas características, já que seus conflitos seriam socialmente aceitáveis.Este perfil que rapidamente delineamos corresponde, aliás, a um quadro mais típico do adolescente de uma sociedade um pouco diversa da que conhecemos em nossos dias.
A sociedade atual não deixa de oferecer ídolos musicais, mas a eles adiciona, por exemplo, a sedução das drogas: o enamoramento não deixa de existir mas há também o oceano da permissividade de hábitos e mesmo a glorificação da promiscuidade na vida afetiva e sexual; os credos políticos continuam servindo como modelos teóricos aos quais o adolescente adere na sua sede por um mundo mais justo ___ só que com o acréscimo do uso prático da violência e do terrorismo e na busca de impor seus objetivos; as discussões sobre o bem e o mal ficam, assim, fragilizados em suas bases morais, tal a mudança de perspectivas que os elementos mais recentes somaram aos postulados mais antigos e tradicionais; as roupas adereços e outros objetos de uso pessoal, que os adolescentes sempre usam, na verdade em busca de uma identidade comum, continuam existindo, só que, mais do que em qualquer época, manipulados pelas indústrias de consumo, que “ditam a moda” através dos meios de comunicação, num constante estímulo ao consumismo desenfreado e supérfluo, favorecendo o aparecimento de uma “robotização” em que o individualismo saudável é engolfado por uma padronização despersonalizada.
É neste momento, em que os jovens tem como alvos os tóxicos, a sexualidade promíscua, a violência, a ambigüidade de conceitos e a submissão a um padrão de hábitos superficiais, que a sociedade, geralmente através de seus representantes mais próximos (os pais), se assusta e considera o adolescente como um ser degenerado ou um cavaleiro do apocalipse, esquecendo-se que, tal como a água de nossa comparação inicial, sua violência também se expressa na razão direta da resistência que o continente lhe opõe ___ ou seja, “todos consideram violentas as águas de um rio, mas por que não considerar violentas as margens do rio que lhe servem de limite?” A sociedade esquece que é dela que surgem os modelos que o adolescente reproduz; que é dela a imagem que o adolescente reflete, tal como a água serve de espelho para o céu, mudando de tonalidade conforme muda a cor do firmamento, da noite para o dia, ou do tempo bom para o nublado.
É assim que uma criança, criada dentro de um bom nível de expectativas transforma-se em um adolescente sobre o qual se faz o pior prognóstico, tal a mudança que expressa nos seu primeiros confrontos com o mundo e a sociedade que o cerca, geralmente decepcionante e frustrante.Nem tudo deve ser pessimismo, no entanto: assim como o jovem “devolve” à sociedade os estímulos negativos que ele de certa forma recebe, uma atitude compreensiva e capaz de estimular seus caracteres positivos pode também ser concebida e desenvolvida pelo adolescente, exceto por aqueles que apresentem aspectos pessoais mais propensos aos excessos e apenas definem nesta época seus traços de caráter, já numa faixa de franca anormalidade.Estas exceções, no entanto, são muito tênues, e até já se disse que “não existe adolescência normal “, sendo muito ambicioso um propósito de discutir este ângulo nos limites desta exposição.
Fora deste plano individual, portanto, encerramos o desenvolvimento destas idéias, estabelecendo que existe uma ponte entre o adolescente normalmente frágil e forte a um só tempo e os fatores extrínsecos à sua criação familiar como a principal vertente responsável pela exacerbação de hábitos já fora da normalidade e que podem se instituir como alvos mantidos no desenvolvimento desses jovens, tornando-os dependentes ou permanentemente marcados por experiências que se entravam na sua constituição adulta (ou seria melhor dizer semi-adulta?).È evidente que os fatores individuais e familiares já podem ter propiciado uma tendência ao estabelecimento destes padrões de conduta, o que também não seria objeto de nossa formação do indivíduo.Queremos é salientar a importância do fator social, em que o próprio mundo adulto polui a água antes limpa e da qual se pretende um dia beber.

Texto de minha autoria publicado na revista VENTURA setembro.novembro ano 3 número 9 editora Spala.